Década de 30. Tempo de perseguição religiosa no Nordeste, patrocinada pela polícia de vários Estados, por insinuação de padres, de chefes políticos e do falecido frei Damião de Bozzano.
Num povoado pernambucano, uma congregação estava prosperando, pessoas se convertendo, e o subdelegado (a pedido do pároco) resolveu mandar prender o pregador num domingo à noite.
Iluminação a carbureto, culto na frente de um casebre e dezenas de pessoas espalhadas na semi-escuridão do terreiro. Um cabo e um soldado ficaram de longe, escondidos debaixo de uma árvore frondosa, esperando a reunião terminar para levar o pastor para a subdelegacia, no centro da vila.
Quando começou o apelo, o pastor ia dizendo, com todo o entusiasmo pentecostal interiorano de sessenta anos atrás: - Tenho certeza de que muitas almas estão aqui, sedentas de salvação e cansadas do pecado. Mas Satanás também está tentando as almas para que elas não aceitem a Jesus. Saiam da morte para a vida. Nenhuma alma deve se perder e ir para o inferno atendendo o conselho da serpente.
O cabo e o soldado, superticiosos, tinham medo – verdadeiro pânico – de “alma do outro mundo”. Foram escutando aquela argumentação, olhando um para o outro e o outro para o um e disseram:
- Tu vai ficar esperando as alma?
- Eu tô todo arrepiado.
Nesse momento, o pastor grita com toda a força dos seus pulmões:
- Estou vendo a primeira alma levantando a mão. Mas Jesus está me dizendo que tem muitas outras almas aqui que hoje vão se converter!
Não escutaram mais nada, nem esperaram o fim do culto. Saíram apressados pelo caminho e, algumas passadas depois, foram em desabalada carreira até a subdelegacia.
Entraram apavorados, deixando o subdelegado estupefado com o tremor do corpo e da fala se seus subordinados.
- O que foi seus cabra-mole? Os crentes botaram vocês pra correr?
- Que nada, seu delegado, nós viemo embora antes das alma começarem a se manifestar. O homem lá, o tar de pastor, começou invocando as alma dizendo: “Vem, vem, alma cansada; não escuta Satanás, levanta a mão pra Jesus”. E nós começamo a ficar com medo, pois com alma do outro mundo num se brinca. De repente, a gente escutou ele gritar: “A primeira alma já levantou a mão e Jesus está me dizendo que tem mais”. Se o senhor quiser, que vá domingo prender aquele pastor porque nós mermo num voltamo lá de jeito nenhum. Te esconjuro! Com alma penada, eu pelo menos num quero saber de conversa...
A perseguição naquelas paragens terminou antes de começar...
Do livro Tempo de Rir, de Josué Sylvestre
Postado por
Lilian Morais
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